Após dois anos sem pisar em terras brasileiras, voltar ao Rio de Janeiro e à casa que mantenho nessa cidade de paradoxos foi como entrar em uma cápsula do tempo. Sensação curiosa. Percepção de que acumulei muita coisa que não me fez falta em nada. Penso em quem eu era no momento em que deixei aquele livro sobre a mesa lateral do meu estúdio. O livro permaneceu lá, inerte, mas nem os tantos meses pandêmicos que nos pareceram uma certa suspensão no curso do tempo foram capazes de refrear as transformações do corpo e da mente. Pelo contrário, talvez as tenham colocado em um compasso mais intenso, estimulado por esse período de retiro involuntário.
Na minha fase da vida, essa constatação vem com a alegria de perceber que o esvaziamento dos velhos símbolos reflete novos aprendizados a que venho me dedicando, um entusiasmo constante pelo novo e, a despeito do que se possa dizer, uma inabalável confiança nos movimentos globais que tenho percebido e que encontram fortes expoentes no Brasil. Não me cabem mais as mesmas roupas, como também já não me valem os velhos conceitos. A renovação é vital. Se eu ainda não me fiz compreender, vou contar um caso: quando eu vivia na Malásia, tive um professor de tênis chinês 20 anos mais velho que eu. E ele simplesmente me matava na quadra! Quando perguntei o segredo dessa boa forma, ele me contou que, quando tinha por volta de 50 e poucos anos, ele convivia somente com pessoas da mesma faixa etária. Aos poucos, percebeu que estava começando a “andar mais devagar”. E, naquele momento, decidiu começar a conviver com pessoas mais jovens, sem, no entanto, abandonar os antigos amigos. Decisão sábia…
Trago aqui essa quase divagação, esse misto de não-saudosismo frente à constatação do que me é realmente valioso, como um reflexo (e reflexão) de algumas inquietações sobre as quais tenho me debruçado. Depois de tantos anos como executivo em diversos países, vejo que o que mais me valeu na construção da minha jornada é também o que mais me é valioso agora: a disposição para me reinventar, aprender, e me conectar com o que há de mais humano e essencial em nós. E aprender, para mim, é estar em conexão com esse espírito do tempo, uma disposição para seguir construindo novas pontes, que levam a caminhos antes impensados, ou sequer pavimentados ainda. Atrever-se a percorrê-los pode ser desafiador para uns, talvez assustador para outros, mas é certamente nessa infinidade de escolhas que está a beleza da história. A minha, que é diferente da sua, mas que se encontra em algum ponto do caminho.
Nos últimos anos, entre outras novas atividades ligadas à private equity, tenho me aproximado de jovens estudantes, educadores e empreendedores em duas universidades americanas: Wake Forest University, na Carolina do Norte, e a Cornell Tech, em Manhattan. Dentre outras atribuições mais estratégicas, talvez minha mais importante missão nesse contexto seja contribuir com a minha experiência de tal forma que eu possa ser um impulsionador para essa energia criativa e pulsante desses jovens brilhantes. E ser impulsionado por eles, na mesma medida. O Brasil, nesse contexto, é também um celeiro criativo potente, a despeito de todo o atual cenário político e econômico. Quando vejo as notícias do tipo “O Brasil tem mais um Unicórnio”, isso não me surpreende, existe alguma coisa importante acontecendo aqui, uma transformação silenciosa dinamizada por esses jovens. Na Poli Angels – associação de investidores-anjo da qual tenho o privilégio de participar junto a outros entusiastas como eu para fomentar start-ups no Brasil – é impressionante a qualidade das iniciativas com que tomo contato quase diariamente.
Por isso, aos dinossauros e profetas do fim do mundo, tenho uma má notícia: novos negócios surgem todos os dias, incorporando tecnologias sociais e modelos de pensamento revolucionários, abraçando a diversidade e a sustentabilidade como prioridades elementares, que estão a mudar de forma radical o ambiente de negócios. E o Brasil reúne condições de ser um player fundamental nessa transformação global. Estar perto e atento a esses movimentos é uma questão de sobrevivência.
Sim, voltar ao Rio e à casa me levou a muitas reflexões. Mas, como nem sempre navegamos em águas calmas, na vida como nos negócios, é preciso resiliência. Minhas boas-vindas à cidade amada incluíram chuvas torrenciais, uma explosão na tubulação de energia, e uma noite inteira sem luz, gás e internet. Prova de que nem todo amor é incondicional, mas vale a pena perseverar.